sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Estradas de Portugal: rabo escondido com o gato de fora


Curiosa esta alteração de estatuto da Estradas de Portugal, organismo que pela mão do muito activo ministro das obras públicas passou de empresa pública a sociedade anónima de capitais totalmente públicos.

De acordo com o ministro, não há por trás da decisão do governo qualquer intenção de privatizar a empresa. Ainda de acordo com o mesmo ministro, não há nesta operação qualquer truque orçamental destinado a reduzir artificialmente o défice público. Por outro lado, asseguram os socialistas que a Estradas de Portugal continuará a construir as vias que os governos do país definam e que nenhuma nova portagem será introduzida sem a necessária decisão política.

Em resumo, fazendo fé no governo do eng.º Sócrates tudo ficará exactamente na mesma. Mas se tudo ficasse exactamente na mesma porquê a mudança? Aperta-se um bocadinho e os ministros e secretários de estado começam a patinar.

Aos poucos, vai-se fazendo luz.

Em simultâneo com a alteração do estatuto da empresa, o governo concessiona à Estradas de Portugal toda a rede viária nacional por um período de 75 anos. Para justificar a atribuição duma concessão por quase um século, o ministro das obras públicas fala em solidariedade entre gerações. Na concepção do ministro, por solidariedade entre gerações entende-se que ele decide hoje como serão geridas todas as estradas do país ao logo dos próximos 75 anos, privando de qualquer capacidade de decisão não apenas os próximos governos, mas também os nossos filhos, os nossos netos, os nossos bisnetos... Que estranha forma de solidariedade. Eu chamar-lhe-ia antes um fardo para as próximas gerações.

E, afinal, o que o governo garante é que a Estradas de Portugal não será privatizada até ao fim da presente legislatura. Por outras palavras, o governo concessiona um bem público por 75 anos e compromete-se a não privatizar a beneficiária da concessão durante os próximos 2. Brilhante.

Aquilo que está em marcha é, portanto, a primeira fase da privatização de uma empresa que terá a seu cargo a gestão de 16.500 km de estradas nacionais, praticamente até ao fim do século. É rabo escondido com o gato de fora.

E eu, que sou um liberal no domínio económico, assisto estarrecido a esta febre privatizadora do governo socialista. Ver um ministro dum governo alegadamente de esquerda, um ex-comunista em boa verdade, ultrapassar-me muito pela direita é algo que começa a pôr-me os cabelos em pé.

Para um liberal faz sentido que o Estado seja magro e eficiente, que legisle e regule, que defenda o interesse dos cidadãos mas que se abstenha de participar directamente em actividades económicas. Para um liberal, faz sentido que a economia esteja nas mão dos privados, porque essa é a melhor forma de assegurar a concorrência entre agentes do mercado, proporcionando aos cidadãos melhores serviços aos melhores preços.

Mas que sentido faz a privatização apressada das redes energéticas nacionais ou a privatização escondida da rede rodoviária do país? São infra-estruturas estratégicas e únicas onde, por definição jamais existirá concorrência. Assistimos à privatização da REN e ao início da privatização da Estradas de Portugal, mas em simultâneo temos um governo que insiste em manter integralmente pública a RTP, uma empresa de rádio e televisão que actua num verdadeiro mercado, mas que se mantém sob domínio do Estado para assegurar a propaganda oficial do governo.

A estratégia deste governo é sórdida e está a hipotecar definitivamente o futuro de Portugal. Tomam-se decisões que comprometem o país por um século, com o objectivo de mascarar o défice público dos próximos anos e engordar grupos económicos que vivem pendurados nos grandes negócios com o Estado. Por este caminho, Portugal vai acabar.

O último a sair que apague a luz.

João Castanheira

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