terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Entrevista por encomenda

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Tenho pelo Ricardo Costa e pelo Nicolau Santos o respeito que se tem pelos grandes jornalistas.
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Daí que o desempenho de ambos na entrevista de ontem ao primeiro-ministro tenha sido francamente decepcionante. Em alguns momementos, a abordagem servil dos entrevistadores chegou mesmo a ser chocante.
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Macios como não é seu timbre, Ricardo Costa e Nicolau Santos permitiram que José Sócrates fizesse toda a entrevista em ritmo de passeio.
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Não se esperava um julgamento político em directo. Mas havia a expectativa de que o primeiro-ministro fosse confrontado com as questões incómodas que o país, claramente, quer ver respondidas.
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Mas não. Tudo aquilo pareceu milimetricamente encenado. Deu a ideia de que existia um guião, do qual os entrevistadores não se podiam afastar. Um conjunto de perguntas combinadas e uma sequência de respostas decoradas.
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A entrevista transformou-se num miserável exercício propagantístico e de limpeza de imagem. Que ficou mal aos entrevistadores e, sobretudo, ficou muito mal à SIC.
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Ao primeiro-ministro, pelo contrário, já nada fica mal.
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Confrontado com uma taxa de desemprego de 8% - a maior dos últimos 21 anos - Sócrates respondeu que a sua política de emprego é um sucesso. Diz que criou 94.000 postos de trabalho, não interessando que o número de desempregados seja cada vez maior ou que o emprego seja mais precário e instável do que nunca. E assim se arrumou o tema, sem uma insistência, sem um apertozinho. Não terá ocorrido aos entrevistadores que há 3 anos atrás José Sócrates considerava trágico que a taxa de desemprego tivesse atingido os 7,1%?
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Quanto ao desempenho económico da país, Ricardo Costa e Nicolau Santos passaram pelo tema como cão por vinha vindimada. Sócrates diz que crescemos 1,9%, ultrapassando a previsão do governo. Na sua perspectiva foi mais um enorme sucesso. E os entrevistadores não o lembraram que continuamos, portanto, a divergir da Europa, já que crescemos muitíssimo menos do que praticamente todos os nossos parceiros europeus.
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Ricardo Costa e Nicolau Santos permitiram ainda que o primeiro-ministro se agarrasse com a habilidade habitual ao controlo do défice orçamental do Estado. Esse é, obviamente, o único verdadeiro sucesso deste governo, mas porque não recordar que foi conseguido à custa do aumento dos impostos e logo à custa da quebra duma promessa eleitoral?
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Quanto aos recuos do governo em matéria de obras públicas ou à rebelião nacional contra as "reformas" na saúde, pairou sempre a ideia de que havia ali muito respeitinho ou, em alternativa, uma cumplicidade solidária.
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No final da entrevista, Ricardo Costa atreveu-se a fazer uma perguntinha "de que o senhor primeiro-ministro não vai gostar". Tipo, desculpe lá o incómodo mas tem mesmo que ser, se não ainda somos todos apanhados. "O senhor é o autor dos projectos que assinou na Beira Interior?". O primeiro-ministro respondeu que sim e o assunto ficou arrumado. Nem uma vaga tentativa para clarificar o mar de incongruências que é este triste processo.
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José Sócrates foi ainda presenteado com a possibilidade de ciar o seu próprio tabú. Afinal vai ou não vai recandidatar-se ao lugar de primeiro-ministro?
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Francamente, alguém acredita que isto seja um verdadeiro tabú?
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Foi triste.
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João Castanheira

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